Águas
Deise de Brito
Espetáculo: Corredeira
Nave Gris Cia Cênica
País: Brasil (São Paulo-SP)
Data: 01 de novembro de 2019
Local: Sesc Bom Retiro (São Paulo-SP)
Evento: “As Semanas que Dançam: Corpos Negros – Diálogos Diaspóricos”
FICHA TÉCNICA
Criadora-intérprete e direção: Kanzelumuka
Colaboração artística e codireção: Murilo De Paula
Iluminação: Diogo Cardoso
Arte sonora: Vagner Cruz
Figurino: Éder Lopes
Realização: Nave Gris Cia Cênica
Coordenação de produção: Rochele Beatriz (Guria Q Produz)
Obra montada com recursos próprios da Nave Gris Cia Cênica e criada para ser apresentada na 10º Bienal Sesc de Dança em 2017. (Informações fornecidas pela Companhia)
Quando a fala compõe a cena, as palavras precisam dançar. Ao bailar, o corpo deve ser texto. Num trajeto que apresenta a irmandade entre teatro e dança, essa ideia ganha superfície em mim. E, através do espetáculo Corredeira (da Nave Gris Cia Cênica), ela se exemplifica em prática e concretude. O que tenho buscado estava logo ali, no teatro do Sesc Bom Retiro na noite de 1º de novembro de 2019. Participante em uma edição do “As Semanas que Dançam”, cujo tema – “Corpos Negros – Diálogos Diaspóricos” – segue em afluentes, Corredeira lança-se na noite num constructo fluído entre corpo, arte cênica, designer de luz e “texto-turas”.
“
Escolhi melhor os pensamentos, pensei. Abracei o mar.
”
Gerônimo
O trabalho tem a fisicalidade da intérprete Kanzelumuka, ainda que o protagonismo não seja somente dela. Seu corpo apropriado de (re)criações, em movimento, de narrativas centro-africanas-banto-referenciadas, deslocam pelo palco como as águas que correm para onde percebem espaço. No complexo muscular da bailarina há letras de um alfabeto corporal que busca líquidos de inventividade, porque esta é, também, motor ancestral. Suas escápulas mobilizam o desenho do espaço em conjunto com os pisados em um solo simbólico que é firme e, ao mesmo tempo, flexível. O diálogo entre os pés desperta essa sensação.
Kanzelumuka em Corredeira. Foto de Murilo de Paula.
Está oferecido. Corredeira apresenta soluções cênicas de corpo a partir de procedimentos preenchidos por saberes encruzilhados, constituídos por escolas díspares em si, e “sulteadas” por uma singularidade negra de pensamento que conduz o como, o porquê e o para quem.
Kanzelumuka em Corredeira. Foto de Andréa Rêgo Barros.
“
O sombrado de mamãe é debaixo d´água. Debaixo d´água, por cima da areia.
”
Saber oral
A Nave Gris Cia Cênica, fundada em 2012, parte de trajetos motores afro-ameríndios para dar curso a suas criações – localizadas no limiar entre dança, teatro e performance. Nesse segmento, tais produções formulam o trabalho cênico em espaço expandindo e plural, visto que ressalvam o desenvolvimento de um diálogo em interlinguagem.
Em Corredeira, especificamente, o encontro das letras-correntes das articulações da intérprete conecta-se em conversa macia com a dramaturgia de luz que estimula o correr dos nossos sentidos pelo trabalho, comprovando assim que somos todes águas.
Ao final, como se procurasse admirar a grandeza do mar que acolhe as águas de córregos, rios e riachos, Kanzelumuka corre sua correnteza na plateia, sentando-se perto do público. Um convite a contemplar a imensidão que ela acabou de dançar.
O amparo do sergi-mirim/Rosário dos filtros da aquária/Dos rios que deságua em mim/Nascente primária.
Caetano Veloso