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As provocações de Alessandra Seutin

Deise de Brito

Espetáculo: Ceci N´Est Pas Noire

Alessandra Seutin e Vocab Dance Company

Países: Inglaterra, Bélgica, Zimbábue

 

Data: 15 de setembro de 2018

Local: Galpão Cine Horto (Belo Horizonte -MG)

Evento: 14º Festival Internacional de Teatro - Palco e Rua - de Belo Horizonte (FIT-BH)

Texto originalmente apresentado no blog do FIT-BH/2018, compondo a prática de crítica desse evento.

FICHA TÉCNICA

Direção Artística, concepção e coreografia: Alessandra Seutin 

Performer: Alessandra Seutin

Musicista/Violoncelista (ao vivo): Lauriza Anastácio

Dramaturgia: Funmi Adewole e Sophie De Vries

Compositores: Ayanna Witter-Johnson, Nicolas Jaar e Raph Bounzeki

Ceci n´est pas Noire foi tornado possível por financiamento da National Lottery/ Arts Council England, Greenwich Dance, Was Arts, London Metropolitan University e IRIE! Dance Theatre. Coproduzido por Sadler´s Wells e comissionado por The Southbank. (Informações retiradas do Programa do FIT-BH/2018)

Desloco-me. Em uma van, conduzida por Alisson, do Othon Palace cheguei ao Galpão Cine Horto para assistir a Ceci N´Est Pas Noire (Isto não é negro), espetáculo dirigido, concebido, coreografado e interpretado por Alessandra Seutin - a qual foi acompanhada em cena pela violoncelista Lauriza Anastácio.

No hall do galpão, observei as pessoas discretamente tentando identificar, por meio dos seus signos corporais o que elas esperariam ver dali a 25 minutos. Uma fila se forma, eu fui a segunda da linha, à minha frente havia uma moça que dizia me conhecer de algum lugar. Enquanto conversava com ela ainda tentava identificar as expectativas do público. Perto de entrarmos na sala, onde ocorreria o espetáculo, a simpática mulher perguntou meu sobrenome, e isso desencadeou um intercâmbio entre as memórias da infância de ambas. Desembocou em conversas a respeito de como os nossos corpos eram vistos e (re) vistados pela sociedade que começava a estigmatizar os nossos cabelos, a minha altura e os seios dela, através de práticas que hoje se configuram como bullying, embora racismo e sexismo sejam os termos que mais contemplam tais ações.

 

Eu a perdi de vista, o encontro com pessoas conhecidas e a acomodação na plateia para assistir ao trabalho fizeram-me temporariamente esquecer a situação, que agora retorna através da tentativa de desenhar, com palavras, a experiência que o mundo cênico de Alessandra Seutin provocou em mim.

 

O gesto da musicista, o som do violoncelo e os movimentos da moça nascida no Zimbábue esculpiram o espaço preenchido de materialidades que deslocam qualquer olhar, criado sob a tortura das pretensiosas convenções hegemônicas. Enquanto as pessoas se acomodavam em seus respectivos assentos, Seutin de macacão preto com bolinhas brancas, sapato preto e branco, e turbante estampado estava sentada, de costas, num banco que lembrava aqueles que músicos usam para tocar piano. Esse banco, duas cadeiras e um pedestal com microfone estavam posicionados em quatro pontos do espaço, interligados por um elástico, formando um grande quadrado.  Ao lado do banco em que Seutin estava sentada, havia outro par de calçados menos formal do que aquele que ela estava usando.

Repito. Ela estava sentada. Apesar de suas costas “gritarem” presença, parte da plateia conversava, ria, comentava assuntos extras, como se não a sentissem ou não a percebessem. Nesse momento constatei: era a primeira provocação da noite. 

Eu gosto de Bananas?
Eu sou agressiva?

Eu gosto de Reggae?
Eu pareço confusa? 
Eu uso drogas?

Após dar as boas-vindas para o público, a intérprete – com o apoio de Lauriza – propôs um circuito de questões inscritas nas matrizes e motrizes de africanidades perfilizadas pelo cultivo responsorial, pela herança que se movimenta num espaço-tempo que só a ancestralidade pode descortinar criticamente. Os diálogos verbais entre ela e o público dançavam com a trilha sonora instrumental que se entrelaçava ao rasgo suave do violoncelo, às movimentações, assim como ao canto e à respiração.

Deus, Alessandra (eu) – deslocaram-nos para mais uma provocação, entoada por perguntas nada arbitrárias, a citar: “Eu gosto de Bananas?” “Eu sou agressiva?” “Eu gosto de Reggae?” “Eu pareço confusa?” “Eu uso drogas?” A resposta e a reação da recepção, que se dividiam, conflitantemente, entre o sim e o não, marcaram meu corpo.

Seutin implodiu o espaço, dançando suas inquietações, fora e dentro do quadrado. Em certas situações cênicas, lembro um ringue de boxe onde o jogo (as perguntas e respostas) foi o nocaute para quem pensou que ela estava apenas propondo uma adivinhação. Palavras anexadas à parte frontal da estrutura quadrangular – Beyonce, Rainha da Inglaterra, Deus, Alessandra (eu) – deslocaram-nos para mais uma provocação, entoada por perguntas nada arbitrárias, a citar: “Eu gosto de Bananas?” “Eu sou agressiva?” “Eu gosto de Reggae?” “Eu pareço confusa?” “Eu uso drogas?” A resposta e a reação da recepção, que se dividiam, conflitantemente, entre o sim e o não, marcaram meu corpo.

O encaixe e o desencaixe do quadril, os pés inquietos, os braços que abraçaram as sonoridades do espaço, os dedos indicadores que apontavam e a circularidade das movimentações, com toda sua polirritmia, rompiam a quadrangulação, semelhante àquela que coloca as pessoas negras na cultura da exotização, no cárcere dos estigmas, numa ancestralidade que parece mais monumental que orgânica.

Dimensão essa que sustenta a base mental que, por sua vez, não respeita a multiplicidade dos corpos negres inclusive a infinitude que preenche o de Seutin, Lauriza, Alisson, o da moça simpática (que encontrei na fila) e o meu. Forma quadrada que esteve presente em algumas respostas às perguntas feitas por Seutin, durante o espetáculo. 

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