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Crise de Importância

Deise de Brito

Espetáculo: Fala das Profundezas

Grupo: Núcleo Negro de Pesquisa e Criação

País: Brasil ( São Paulo-SP)

Assistindo em 20 de agosto de 2023
Local: Teatro Paulo Eiró,  São Paulo-SP, Brasil.

FICHA TÉCNICA

Dramaturgia e direção: Gabriel Cândido.
Elenco: Deni Marquez, Ellen de Paula, Fábio Lopes, Maria Gabi e Tásia d’Paula.
Produção executiva: Kauanda.
Assistência de produção: Maria Gabi.
Coordenação de produção: Gabriel Cândido.
Trilha sonora original e operação de som: André Papi.
Desenho de luz: Natália Peixoto.
Operação de luz: Leonardo Carvalho.
Preparação vocal: Maria Gabi.
Preparação corporal: Lilian Martins.
Orientação vocorporal: Luciano Mendes de Jesus.
Figurinos: Carla Stela.
Trançadeira: Paola Ferreira.
Maquiagem: Rapha Cruz.
Contrarregragem: Amanda de Jesus, Euzilene Ribeiro e James Christofher.
Produção audiovisual: Jerê Nunes e Thais Namai.
Intérpretes de Libras: Quilombo que Sinaliza.
Participação especial / vozes off: Bruna Candido, Carla Stela, Dirce Thomaz, Diogo Guedes, Fabiana Neves, Fagner Lourenço, Jerê Nunes, Kauanda, Luís Antonio Candido, Natália Peixoto, Marcela Coelho, Paola Ferreira, Sueli Aparecida Costa, Sueli Candido e Vera Lúcia de Oliveira Lima.
Social media: Anderson Vieira e Ayrá Ludovico – Teatro Já.
Assistência de redes sociais: Deni Marquez.
Assessoria de imprensa: Verbena Comunicação.
Projeto gráfico: Wellingthon Tadeu.
Catering: Cozinha Fermenta.
Realização: Núcleo Negro de Pesquisa e Criação (NNPC).

Este projeto foi contemplado pela 16a edição do Prêmio Zé Renato de
Teatro para a cidade de São Paulo - Secretaria Municipal de Cultura. 

“Estamos vivendo uma crise de importância!”

E todo meu estado apreciativo perante o espetáculo “Fala das Profundezas” foi reorganizado, a partir do momento em que essa frase foi dita, em cena, pela personagem interpretada pela atriz Tássia d´Paula. Não que a recepção acolhedora do elenco, no início da obra, tenha sido um detalhe escapável. Nem o gesto de CAVAR - que alicerça o texto corporal de cada intérprete, assim como as criações de iluminação e trilha sonora do trabalho - tenha sido imperceptível. Tampouco houve sobressalência de uma interpretação sobre a outra ou de um elemento sobre o outro.  Pelo contrário, a responsabilidade profunda com as escolhas propôs jogo honesto e relação de equidade. E, nessa dinâmica, materialidades e imaterialidades cênicas dançaram amalgamadas, contornando uma teia de sentidos - produzida por todas as existências na obra; inclusive a presença do público, que é convidado a circularizar a percepção, estando perto das ocorrências, a fim de poder compreendê-las com distância.

MariGabiGabrielCândidoCozinhaFermentaWelligthonTadeuVerbenaComunicaçãoDeniMarquezAndersonVieiraAyráLudovicoVeraLúciadeOliveiraLimaSueliCandidoSueliAparecidaCostaPaolaFerreiraMarcelaCoelhoNatáliaPeixotoLuísAntônioCandidoKauandaJerêNunesFagnerLourençoFabianaNevesDiogoGuedesDirceThomazCarlaStelaBrunaCandidoQuilomboqueSinalizaThaisNamaiJamesChristofherEuzileneRibeiroAmandadeJesusRaphaCruzCarlaStelaLucianoMendesdeJesusLilianMartinsLeonardoCarvalhoAndréPapiLucasFerrazaTássiadPaulaFábioLopesEllendePaulaDeniMarquez

A frase CORTOU o meu imaginário em fragmentos que continuam a se distribuir em muitas preocupações; e, nesse ciclo, as palavras crise e importância revigoram as independências dos seus significados, elas bailam no meu pensamento, ora juntas, ora separadas, configurando um sinal de alerta que “Fala das Profundezas” indica. Desses um tanto de fragmentos, que se desenharam a partir de um corte, compartilho o esforço de nomear três. Antes considero ressaltar que a ação de CORTAR, assim como ATRAVESSAR, a já citada CAVAR e o ato de ESPALHAR, encontravam-se costuradas,  não somente nos elementos cênicos, mas também entre eles evidenciando a preocupação da equipe com as pequenas curvas da forma, logo com a terrosa rota dramática encenada. Dentro desse caminho, enquanto público, precisei me permitir ao sabor das paradas, aos sinais da trilha e às estadias possíveis, para que a minha experiência construísse sua lógica e decorasse sua morada.

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Cena do espetáculo Fala das Profundezas. Apresentação em julho de 2023, na Funarte (SP). Foto de Thais Namai.

Fragmento 1: A Importância da administração do discurso


Como dizemos, ou melhor, estamos alimentando o dizer do curso das nossas ideias em cena? Estamos mais preocupades com os lugares de encaixes dos signos ou com o desencaixar da mudança, a fim de que debates sejam organizados?  O espetáculo faz agonizar cenicamente o ápice do mérito que, na atualidade, é reforçado pelas redes sociais as quais, por sua vez, dentro do labirinto capitalista, injetam nos nossos sonhos, em doses estratégicas, a anunciação da importância de ser narrativa única em espaços dominantes, de disputar o destaque no edifício que quer nos demolir. Nesse sentido, o básico – a marmita com feijão e arroz, desejada ao longo das cenas pelas personagens - desloca-se do seu significado habitual e torna-se não só instrumento, mas também a própria elaboração de poder - que, ao ser adquirido, pode instaurar uma desordem parasita ,naquilo que podemos ter de melhor: a partilha.

Espetáculo Fala das Profundezas na Funarte (SP), julho de 2023. Foto de Thais Namai.

Fragmento 2: A crise na discordância

 

Em tempos de muita sede e muita urgência, a tirania da certeza e a ausência do diálogo crítico ameaçam a rede de coexistências múltiplas. E essa questão não é de agora.  A dramaturgia, ao apresentar personagens com conflitos internos ou com atritos entre si, lembra-me sobre o grande vazio que vivenciamos, devido à falta do debate que aduba; pela carência da saudável discordância; em virtude do desmerecimento do impasse, enquanto encruzilhada; em razão da fragilidade do uso da dialogia. Estamos vivendo uma crise no interesse em dedicar-se aos entrelugares, estamos confundindo posicionamento com ataque e acusação; e, de longe quero dizer que atacar ou acusar não têm suas importâncias. De outro modo, atacar e acusar são necessários na movimentação das ideias, afinal de contas, no ataque, se flexiona algo para a prontidão; e, na acusação, se impulsiona uma energia para o avançar. No entanto, ao não prestigiarmos a necessidade dialética na atuação da reflexão, acionamos a irresponsabilidade concordante, incapaz de dobrar-se ao processo de feitura de perguntas. Isso compreende também os ciclos cênicos, os modos de criação e as estruturas as quais, na maior parte do tempo, queremos integrar. Sim, nós queremos. Porém precisamos esCAVAR o motivo, desenvolver sua arqueologia para criar outras formas possíveis que não repitam procedimentos que retêm dignidades. O Núcleo Negro de Pesquisa e Criação parece estar nesse labor arqueológico.

MariGabiGabrielCândidoCozinhaFermentaWelligthonTadeuVerbenaComunicaçãoDeniMarquezAndersonVieiraAyráLudovicoVeraLúciadeOliveiraLimaSueliCandidoSueliAparecidaCostaPaolaFerreiraMarcelaCoelhoNatáliaPeixotoLuísAntônioCandidoKauandaJerêNunesFagnerLourençoFabianaNevesDiogoGuedesDirceThomazCarlaStelaBrunaCandidoQuilomboqueSinalizaThaisNamaiJamesChristofherEuzileneRibeiroAmandadeJesusRaphaCruzCarlaStelaLucianoMendesdeJesusLilianMartinsLeonardoCarvalhoAndréPapiLucasFerrazaTássiadPaulaFábioLopesEllendePaulaDeniMarquez

Momento de Fala das Profundezas. Na Funarte (SP), em julho de 2023. Foto de Thais Namai.

Fragmento 3: A importância da crise no não estar juntes

“Fala das Profundezas” se aprofunda no como dizer suas escolhas e enfrenta o desafio de somar rebuscamento ao acesso, propondo que esses dois aspectos namorem. Por exemplo, em nenhum momento, na encenação, a palavra negra ou preta é verbalizada por alguma personagem, mesmo assim é identificado que negritudes esCAVAM-SE e seguem o levante de viverem suas infinitudes subjetivas, apesar de tudo. Cada personagem - com  sua singularidade - cava o próprio caminho e na relação com as outras. E, na inspiração dessa convivência, se faz o eco da necessidade de nos referendarmos como constituintes de diversidade, e não apenas em relação a pessoas brancas ou povos não negros, quero dizer, ressaltar também a diversidade, como fator intrínseco à pessoa negra. Sublinhar, também, que como pessoas negras, em particular, somos diversas em narrativas; e, em modos de ocupação de si e por adição, diversas em controvérsias.Nesse sentido, sim, “é preciso ser forte” para anunciar o diverso em si. Se a forma forma legados e ideias, que nos atrevamos a formar contornos cênicos que executem os rituais de amor aos entre-tantos que somos ou queremos ser. Que sejamos capazes de assumir de maneira genuína que “existe contradição no nosso coração”, para que a terra e os recursos sejam compartilhados em coletividade e não com a in-diferença ao estar juntes. O alerta foi compreendido.

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