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Das Vozes de
Bordas fazer
um Ajeum

Um TrajetoApreciativo a respeito da 4ª Edição do Dança nas Bordas, I Festival Ajeum  e 10ª edição Circuito Vozes do Corpo realizados em 2021
Deise de Brito

4ª Edição do Dança nas Bordas

Cia Diversidança

País: Brasil (São Paulo-SP)

Data: 06 a 22 de agosto de 2021

I Festival Ajeum: Raízes de Raquel Trindade

Núcleo Ajeum

País: Brasil (São Paulo-SP)

Data: 27, 28 e 29 de agosto; 04, 05, 11, 12 de setembro de 2021

10ª Edição Circuito Vozes do Corpo

Cia Sansacroma

País: Brasil (São Paulo-SP)

Data: 10 a 30 de agosto de 2021

TrajetoApreciativo publicado em 31 de outubro de 2022

FICHA TÉCNICA

I Festival Ajeum 

Idealização: Núcleo Ajeum 

Concepção e Direção Geral: Djalma Moura 

Curadoria e Produtores: Djalma Moura, Erico Santos, Victor Almeida, Sabrina Dias, Juliana Nascimento e Marina Souza.

Pessoas Artistas e coletivos participantes: Alini Guimarães, Bia Rezende, Bruno Novais, Coletivo Made in Acupe, Eric de Oliveira, Eró Criação e Produção, Fragmento Urbano, Felippe Peneluc, Gal Martins, Grupo Bongar, Isaías Cardoso, Juliana Iyafemí, Leonardo Luz, Manuel Victor, Marcus Santos, Paula da Paz, Pepalantus Núcleo, Thiago Cohen, Thico Lopes, Tons Afro, Vinicius Revolti, Vívian María.

Este projeto teve o apoio do Edital do PROAC - "Incentivo ao desenvolvimento da cultura popular, tradicional, urbana, negra, indígena e LGBTQI+(online e/ou presencial)" no estado de São Paulo de 2020.

FICHA TÉCNICA

4ª Edição Dança nas Bordas

Idealizador e Programador: Rodrigo Cândido

Produção artística e executiva: Simone Gonçalves

Assistente de produção: Paloma Xavier 

Curadoria: Alessandro Saldanha, Bárbara Santos, Felipe Santana, Jeniffer Mendes, Jonatan Vasconcelos, Lainx Dias, Rivaldo Ferreira e Rodrigo Cândido

Edição de telas: Vitor Porphirio 

Assessoria de imprensa: Lau Francisco (7Fronteiras) 

Social mídia: Letícia Justino

Designer gráfico: Willian Santana (Aggelos Finikas)

Fotografia, Filmagem e Edição de Vídeo: Raphael Poesia (Ake Filmes)

Apoio: Studio de Dança Diane Sousa 

Realização: Cia Diversidança, Cooperativa Paulista de Dança, Programa de Fomento à Dança, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Pessoas artistas e coletivos participantes: Alessandro Mesquita, Cia 7 de Dança, Cia Diversidança, Cia Fusos, Coletivo Bichos da Terra, Coletivo Calcâneos, Coletivo Desvelo, Coletivo Olhares de Guiné, Corpo Molde, Danilo Estevam, Dentre Nós Cia de Dança, Diego Basílio, Duda Ryan, Enoque Gomez, Gustavo Cabral,  Jeniffer Mendes, Júlio Françozo, Kevin Oliveira, Lainx Dias, Narcisa Coelho, Núcleo Disparador, Pâmela Amy, Pepalantus Núcleo,  Renan Marangoni, Rivaldo Ferreira, Rodrigo Cândido, Rodrigo de Lima, Thainá Souza, Victor Almeida.

Este projeto foi realizado com o apoio do Programa de Fomento à Dança para a cidade de São Paulo - Secretaria Municipal de Cultura.

FICHA TÉCNICA

10ª Edição Circuito Vozes do Corpo

Concepção e Curadoria: Cia Sansacroma

Produção Geral: CIA Sansacroma e Movimentar Produções

Pessoas artistas e coletivos participantes: Ana Paula do Carmo, Bruno de Jesus, Camarão Crew, Carlos Gomes, Carolina Gomes, Clarin Cia de Dança, Cia Sansacroma, Coletivo Calcâneos, Coletivo Encruza (João Petronilio), Corpos Falantes, Desvio Padrão, Dimenti Produções, Dual Cia de Dança, Edson Bezerra, Frederick Florencio, Gil Marçal, Kelly Adriano, Marcelo Oliveira, Mó Missão Dance, Mônica Augusto, Núcleo Iêê, Nyandra Fernandes , Ouvindo Passos Cia. de Dança, Val Ribeiro , Vinícius Nascimento, Visível Núcleo de Criação.

Este projeto teve o apoio do Edital do PROAC - "Realização de mostras , festivais, mercados, premiações, feiras, festas populares/tradicionais e eventos culturais(online e/ou presenciais)" no estado de São Paulo de 2020.  

Como o tempo dança a travessia? 

O primeiro desejo era compartilhar esse TrajetoApreciativo entre agosto e setembro de 2021, com o intuito de cruzar os caminhos das forças inspiradoras desta escritura: Circuito Vozes do Corpo, Dança Nas Bordas e Festival Ajeum. E, honestamente, uma frustração ligeira ainda caminha comigo por não ter dividido essa dança-texto durante as ocorrências dos eventos. Percebo isso, quando me pego não somente extra preocupada com os curtos e os longos prazos que construo, mas também ao querer responder a um imediato, amplamente ostentado, nas relações sociais da época atual.

No entanto, os processos no Arquivos de Okan têm me encorajado a constatar que “a dimensão da experiência inventa o tempo”, ideia partilhada por Muniz Sodré em "Pensar Nagô'', ao compartilhar a significação de Exu. Nessa trilha, sinto que os documentos do Okan são forjados em fluxos que não se esgotam, ou seja, numa perspectiva na qual são desafiadas as noções ocidentais apreendidas de passado, presente e futuro. Aqui prevalece a perspectiva do movimento, e ela é o principal registro que dinamiza o acontecimento, sem submissão ao “quando” da ocorrência.  

 

Em tempo, no tempo e com  tempo sublinho que a 10ª Edição Circuito Vozes do Corpo, 4ª Edição Dança nas Bordas e I Festival Ajeum: Raízes de Raquel Trindade ocorreram em momentos simultâneos, continuados e atravessados por si.  Respectivamente -  10 a 31 de agosto de 2021; 06 a 22 de agosto de 2021;  27, 28, 29 de agosto e 04, 05, 11 e 12 de setembro de 2021.  A sensação de confiança, despertada por essas situações interligadas, foi transportada pelas veias até o Okan.

Desse  modo, bombeada por uma circulação em segurança, indica-se que não é coincidência que as pessoas promotoras desses eventos dançam, principalmente, de um Sul periférico da cidade de São Paulo. Este Sul-e-Ar constitui significados  que não se referem somente à localização e, quando trago isso, de longe quero que se omita a potência comunitária que germina,  a partir da região geográfica. 

Pelo contrário, a ideia é enunciar o Sul periférico do fazer, do compreender, do per-formar e do forjar poéticas de presenças. O Sul que não quer operar por dominação. 

Circuito Vozes do Corpo, Dança nas Bordas e Festival Ajeum são promovidos e produzidos, respectivamente, por três companhias de dança: Cia Sansacroma (2002), Companhia Diversidança (2006) e Núcleo Ajeum (2014). É crucial nomear as presenças de Gal Martins (Sansacroma), Rodrigo Cândido (Diversidança) e Djalma Moura (Ajeum), mesmo ciente de que - ao fazê-lo - renuncio, em certa medida, a indicar muitas outras pessoas que são fundamentais para as execuções dos projetos. E esta pode ser a grande contradição deste texto. Ainda assim, arriscando ser acompanhada pelo ato falho de repetir os parâmetros dominantes da ideia de destaque, considero importante citar esses nomes  para elucidar os movimentos de agenciamento contidos numa  meta orgânica comum:  florescer a partir do que se é. 

Ao notar Martins, Cândido e Moura como as pessoas costuradoras desses encontros de dança, algumas comprovações podem ser reverberadas: o esperançar do conjunto de atuações ininterruptas relacionadas às políticas de ações afirmativas, fomentadas e exigidas por coletivos e movimentos sociais nos campos da educação e da  cultura; o dançar da insistência  no acesso aos editais públicos por parte de artistes, companhias e grupos que existem em estéticas que ameaçam lugares coreográficos de poder e permanência ; e, a minha preferida,  uma outra escola possível que está se  engendrando, aquela onde as maneiras de criação e promoção são elaboradas para bem recepcionar as existências que deslocam das manutenções padronizadas e normativas.   

E, por falar em existir, é inegável que o acontecimento Gal Martins solicita atenção, ela que há mais de vinte anos desenvolve uma continuidade investigativa acerca das formas e das possibilidades corporais, forjadas pela indignação, baseada em um dos percursos reflexivos de Paulo Freire.  A Dança da Indignação é uma técnica preenchida do que chamo de ocupação de si, pois é a dialética do corpo produzindo entremeio estético que compõem cura e denúncia. Nesse sentido, a indignação individual se percebe também em coletivo.  

Gal, ao longo da sua travessia, soma-se ao cultivo da  formação de plateia, nos extremos da Zona Sul, para o pensamento contemporâneo em dança. Essa é uma das razões pela qual o Circuito Vozes do Corpo já tem dez edições. Nessa última, em virtude da pandemia, o encontro aconteceu de forma virtual – assim como os outros dois eventos -, o que possibilitou a participação de artistes de fora de São Paulo, assim como a contemplação de uma plateia constituída por pessoas de outros Estados.

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Gal Martins, criadora e diretora da Cia Sansacroma.

Foto de Léu Britto.


Sinto que Cia Sansacroma e Cia Diversidança, cada qual com sua singularidade estética, dialogam em torno de uma persistência comum: a descentralização das maneiras de se criar e efetuar a difusão da dança. Nesse movimento, o mesmo circuito de não obediência ideológica, que criou o Circuito Vozes do Corpo, parece também ter adubado Dança nas Bordas. Em 2021, essa mostra constituiu-se de atividades virtuais, como bate-papos, apresentações de videodanças, exibições de documentários e compartilhamentos de espetáculos,  além de ter oferecido ao público oficinas em formato presencial no Stúdio de Dança Diane de Sousa - localizado no distrito do Campo Limpo - respeitados todos os protocolos de segurança do contexto pandêmico. 

Criada pela Cia Diversidança, o Dança nas Bordas é um encontro de processos, exibições, apresentações e diálogos acerca das pesquisas e inquietações de artistas que produzem, fomentam e difundem dança na zona sul e convidados, de forma plural e diversificada, sobretudo nas bordas da capital de São Paulo. A programação conta com atividades formativas, desde roda de conversa, exibição de vídeo dança e a realização de oficinas, abrangendo a diversidade das linguagens em dança, além da apresentação de espetáculos de diferentes núcleos artísticos. (Disponível em: https://dancanasbordasblog.wordpress.com/historico)

A palavra “diverso”, presente no nome da companhia e na ideia da mostra “Dança nas Bordas”, não é aleatória e fricciona o que convencionalmente se  compreende como diversidade. Isso é percebido, quando a ideia de “encontro de processos” é escolhida, como um dos pontos principais que caracteriza o evento. Nesse contexto, diverso não se refere apenas a existências diferentes em reunião, mas a toda diversidade de arquivos e inquietações que contorna e sustenta cada pessoa. 

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RaizAsas no Documentário (An)Danças - exibido na 4o edição do Dança nas Bordas -  do Coletivo Olhares de Guiné (SP). Foto de Ana Guerra.

Olhar para si, já como experiência diversa (que pode e tem o direito de estar e vir a ser muitos caminhos), bem como perceber o antes, como experiência infinitamente plural, que demanda responsabilidade poética e ética com o presente. A ética da não-linearidade e da contra-padronização dos corpos, a ética do mover-se em linhas cruzadas e espiraladas.  

Recentemente a Cia Diversidança realizou a 5ª edição do “Dança Nas Bordas” no Espaço Cita, sediado no bairro Jardim Bom Refúgio, continuando a maratona do processo da democratização da linguagem da dança, engajada também por outros coletivos e artistes da cidade.  

Por ser uma das vozes insistentes no compromisso com o acesso a dança, ainda em 2021, a Cia e a sua mostra receberam o Prêmio Denilton Gomes da Cooperativa Paulista de Dança, na categoria de difusão desta linguagem, celebrando o ciclo de aniversário de seus 15 anos de existência.

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Guilherme Moreira em  “Órkhis”,  do Coletivo Bichos da Terra (SP), um dos grupos participantes da 4o edição do Dança nas Bordas. Foto de Camila Odara.

 

Se, no movimento em espiral, algo se encontra, com possibilidade de romper para a continuidade, a vivência do Núcleo Ajeum soma na tessitura da teia entre Sansacroma e Diversidança. Esse núcleo foi  idealizado por Djalma Moura - intérprete-criador da Cia Sansacroma, desde 2013. Nas rebarbas e nos alinhavos do Ajeum ainda há a indignação dos Corpos combinada às epistemologias das orixalidades. No grupo, há mais artistes que participam da Escola/Cia Sansacroma.

O Festival Ajeum, caçula ancestral da tríade elucidada aqui, femenageou em sua primeira edição Dona Raquel Trindade que, em vida, cultivou laços juntamente a outras grandes mestras para que acontecimentos como esses três eventos fossem possíveis naquele  agora de 2021. 

O Festival Ajeum é uma mostra de arte negra que tem como um dos pilares o desejo de reverenciar nossas griot e mais velhas. Nessa primeira edição a femenageada é nossa eterna Rainha Kambinda, dona Raquel Trindade que entregou ao mundo diversas manifestações artísticas ao longo de sua trajetória. Na dança, na escrita, em artes visuais, folclórica e por aí vai. (Disponível em: https://nucleoajeum.com/blog-2/)

Nesse caminho, com profissionais e coletivos da Bahia, Piauí, Mato Grosso,  Rio de Janeiro e  São Paulo, o festival promoveu em sete dias encontros entre uma plateia virtual de diferentes territórios do país com ideias, conversas e construções cênicas que se somam no que tange ao caráter heterogêneo da produção de comunidades corporais, consideradas dissidentes. Porque o confronto até pode, com frequência, ser o ponto motivador, no entanto não é o que define o processo criativo - já que este, ao entrar no labirinto da subjetividade, encara potências e desacordos. E que bom!

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Núcleo Ajeum, no espetáculo “Ajeum”.

Foto de Raoni Reis.

No deslocar, vivido também 2022, Núcleo Ajeum, Cia Sansancroma e Diversidança respiram momentos que armazenam narrativas nutridas não somente por ações de pessoas que engajaram o desenvolvimento de estéticas imbuídas de contra-dominância em diferentes ontem´s, mas também alimentadas por processos próprios que vêm sendo brotados nas três companhias. Ou seja, o contínuo dos caminhos das investigações artísticas, os acessos, com alguma constância, a  financiamentos  públicos, e sem dúvida as suas não desistências dentro de um sistema que investe cada vez mais nas táticas de desaparição - não nos iludamos.  

Testemunha-se um “atualmente” repleto de celebração, com reconhecimentos. Gal Martins recebeu recentemente o título de Doutora Honoris Causa pela Faculdade Febraica; A Cia Sansacroma foi indicada ao Prêmio APCA 2022 (1º semestre) pelo espetáculo Vala: corpos negros e sobrevidas, em duas categorias, a de cenografia (assinada por Caio Marinho) e a de intérprete-criador - Djalma Moura. Iku, coreografia do Núcleo Ajeum, também foi indicado pelo mesmo prêmio no mesmo período. 

Para além de celebrar - porque este é sempre bem-vindo, quando se trata de projetos a favor do existir dissidente - nunca é demais usar todas as nossas tecnologias, incluindo as ancestrais, para registrar e documentar com criticidade adubadora. Ademais, é considerável compreender que as aclamações não acontecem desapegadas dos processos sócio-históricos.  As indicações e premiações apontam passos coletivos e estratégicos -  por mais que, em suas fundamentações ideológicas, suscitem controvérsias e contenham tramas que podem desenvolver alavancas agressivas, nos meios e modos de produção,  por causa do tônus meritocrático.

Elas são, dentre muitas razões, circunstâncias elaboradas em movimentos de contra-narrativa, como as presenças de pessoas no júri ou comissão de crítica com a disposição para viver a tarefa árdua de desestabilizar a percepção hegemônica, em relação àquilo que deve ser ou não contemplado. 

Contudo há, ao mesmo tempo, riscos que precisam ser encarados com honestidade e coragem, um deles é a sensação, mesmo que rápida, de que “chegamos lá”. Aliás, o que isso significa?  Será que ele abraça e é abraçado pelo modo pluriversal e do bem-viver reivindicados por parte dos grupos que divergem da noção de universalidade na vida e na cena? 

Essas possibilidades de perigo podem ser identificadas imediatamente, caso a atenção esteja em exercício, ou confrontadas - quando o magnetismo e a sedução pela falácia do “topo” forem cada vez mais reduzidos. E, para tal, precisamos continuar desenvolvendo  processos balizados por perguntas que complexificam a ideia  do “ocupar espaço”. Essa é uma meta e não pode ser o único objetivo e ação final. Em que medida processos que abrangem essa perspectiva (ocupar espaços) agrega ou desintegra a nossa subjetividade? Existências, como a de Dona Raquel Trindade, deixaram muitos ritos de ensino e procedimentos de aprendizagem; são pedagogias com lógicas de esquivas que veneram a intuição e reconhecem as frustrações ocasionadas pelas brancas armadilhas. Que essas lições pedagógicas não deixem de ser percebidas para que sigamos com contornos que se adicionem ao Circuito Vozes do Corpo, Dança nas Bordas e Festival Ajeum

Por toda parte, é sobre fazer a própria comida com os nossos temperos, sobre estar atentes aos desejos coloniais, sobre sempre retornar para não esquecer a raiz das coisas que nos fazem sangrar, sobre nos compreender e dialogar de forma saudável como vozes dissonantes, dentro de um invólucro ancestral, porque isso é legítimo. E não menos importante: porque somos movimento de criar, o tempo todo.

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