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Entre o que escolhemos lembrar
e o que fomos levadas a esquecer

Daya Gomes

Espetáculo: Memore-si

Roberta Rox

País de origem : Brasil ( Goiânia-Go e Salvador-Ba)

Assistido em 4 de abril de 2025

Local: Centro Cultural da UFG 

Período de estreia: 4 de abril de 2025 (apresentação única)

 

 

FICHA TÉCNICA

Criação e Performer: Roberta Rox

Assistente de Direção: Mirna Anaquiri

Produção Executiva: Joana Porto

Assessoria de Comunicação: Caiene Reinier

Mídia Social: Fabi Viana

Maquiagem e suporte do figurino: Jéssika Hannder

Acessibilidade: Grupo INAI

Iluminação: Marcus Pantaleão

Fotografia e Vídeo: Flávia Honorato

Assistente de vídeo e imagem: Valeria Melo

Sonoplastia, projeção e imagem: Steven Sunmor

Designer Gráfico: Sirc Heart

Criação da orelha: Izabelle Eleonora

Cabelos/tranças: Pabla Raquel

 

Esse projeto foi contemplado pelo Edital de circulação da PNAB - Política Nacional Aldir Blanc Município de Goiânia-2024.

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Estreia do espetáculo Memore-si no CCUFG – Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás. Artista Roberta Rox. Foto de Flávia Honorato.

Estar presente em uma performance que me leva às memórias ancestrais dos jardins; da comida, dos encontros nas cozinhas, com minhas tias pretas; e das danças vividas, na sala de chão de madeira, foi uma experiência incomparável. Nossas memórias atravessaram o tempo, as águas, as dores, os medos e cá estamos nós. Nas casas de nossas avós, muitas vezes construímos encontros que guardamos e carregamos ao longo da vida. Lembrar de quem somos é tarefa do cotidiano.

O cheiro de  alfazema e as rosas me fizeram perceber o quanto de memórias ficaram guardadas dentro do corpo que eu habito. Envolvida pelo som das águas do mar, fui me deixando levar para uma roda de saberes que fui construindo ao longo de minha vida.

O mar, às vezes, me assusta pela sua imensidão. Mas, ao mesmo tempo, olhar para todo esse volume de água sempre me leva de volta a mim mesma. Como se pudesse parar nos instantes e perceber que também imensa sou.

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Estreia do espetáculo Memore-si no CCUFG – Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás. Artista Roberta Rox. Foto de Flávia Honorato.

Eu não sei viver sem ser atravessada por aquilo que aprecio. Por isso, a forma como a sereia metamorfoseada de criança dançava, em cena, me convidou a lembrar de gestos das brincadeiras que fazia nas águas dos rios onde vivi e cresci. Lembrando-me de que eu sigo com muitas danças guardadas e reprimidas.

Apreciar danças, apreciar os medos, apreciar as águas, apreciar os cheiros, apreciar as lembranças. Este caminho “Memore-si”, de Roberta Rox, me fez transbordar de águas, parecia uma materialização do amor.

 

A arte também deve pautar o amor?

Aos poucos, em cada ponto da roda que criava, um mundo ritualístico e perfumado, a performer foi bailando e reverenciando a terra, as conchas e as comidas. Eu não sei amar pouco. Aquilo que chamo de amor me preenche, como quem mergulha nas águas mais profundas e percebe as tonalidades do fundo do mar. Eu já mergulhei uma vez no mar. Senti tanto medo. Eu chorei lá embaixo. Deslizava minhas mãos como uma criança, que sente a areia pela primeira vez.

Estreia do espetáculo Memore-si no CCUFG – Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás. Artista Roberta Rox. Foto de Flávia Honorato.

O  medo não me paralisa.

No decorrer do tempo que fiquei ali sentada, apreciando tantos elementos importantes, como o barro, os banquinhos de madeira, a bacia de cobre, fiz uma viagem no tempo de minha infância. Lembrei-me, também, da escassez, que construiu em mim uma simplicidade quase poética.

Coisas em roda são muito poéticas aos meus olhos.

O azul, por detrás daquele tecido fino e transparente, emitia uma sensação de que somos feitos de água e sal. O trabalho de Roberta Rox amplia as noções dos nossos imaginários, floreando – nas sutilezas – possibilidades de reinvenção. Este lugar da reinvenção de memórias vai ao encontro de um lugar fundamental, na perspectiva do artivismo, de propostas comprometidas com a disputa de imaginário e a invenção de outros mundos possíveis.

 

Para mim a performance “Memore-si” esbarra no pensamento de Grada Kilomba, quando ela diz sobre o ato de escrever, que:

Eu sou quem descreve minha própria história, e não que é descrita. Escrever, portanto, emerge como um ato político. [...]enquanto escrevo me torno a narradora e a escritora da minha própria realidade, a autora e a autoridade na minha própria história. Nesse sentido, eu  me torno a oposição absoluta do que o projeto colonial predetermina. (KILOMBA,  2019:28).

Seja na escrita, na dança, na performance, no cinema ou em outras linguagens de arte, percebo uma comunidade negra comprometida com nossas existências o suficiente para tratar das sutilezas e destas memórias com amorosidade. E por que não?

Segundo a divulgação deste trabalho, a performer Roberta Rox descreve: "Memore-si transita entre o cerrado e o mar, evocando memórias, resistência e poesia corporal. Com rosas nas mãos e raízes na cabeça, é um convite à escuta das memórias da terra, das rosas, das conchas, das tranças, das ancestralidades.” É um convite, um chamado e um reconhecimento de nossas conexões com as águas e a própria natureza.

É sobre sentar-se de frente para o mar e contemplar não só a sua imensidão, mas as incontáveis narrativas que foram trazidas pelo atlântico negro e dançar sobre estas memórias. Ela vira peixe. Mulher peixe. Viva e que constrói uma corporeidade brincante com estas águas.

Estreia do espetáculo Memore-si no CCUFG – Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás. Artista Roberta Rox. Foto de Flávia Honorato.

Com a intenção de guardar aqui, nesta escrita, que precisamos – nesta jornada de sobrevivência – tratar também das belezas, escolhi as palavras preciosas que esta performance me lembrou e que seguem respingando em mim. Como artista, tenho me dedicado a apreciar as danças e as artes insubmissas e combativas, acreditando nesse papel de uma arte conectada com as demandas de nossas lutas. Mas é inegável o efeito que esta apreciação me fez sentir, em um lugar poético do descanso. Lembremos que nossas ancestralidades também nos celebram.

Referência

 

KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano, Trad. Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019

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