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Para celebrar Mestre Aldo Bueno em eterno Amanhecer

Jhow Carvalho

Espetáculo: O samba da Paulicéia e sua gente

Grupo: CIA Coisas Nossas

País: Brasil ( São Paulo-SP)

Assistindo em 14 de setembro de 2023

 

Local da apreciação: Centro Cultural São Paulo (CCSP), São Paulo-SP-Brasil.

 

O espetáculo estreou em 10 de agosto de 2023 no Teatro Cacilda Becker, São Paulo-SP-Brasil.

FICHA TÉCNICA

Artistas Criadores: Mestre Aldo Bueno, Carlota Joaquina, Roquildes Junior, Tiganá Macedo, Tayrone Porto, Zuba Janaína, José Eduardo Rennó, Lívia Camargo, Joaz Campos, Beatriz Amado, Miró Parma, Alexandre Moura, Ildo Silva, Débora Veneziani e Cristiano Tomiossi

Produção: Cia Coisas Nossas de Teatro

Direção Geral: Cristiano Tomiossi 

Co-Direção: José Eduardo Rennó 

Direção de Movimento: Zuba Janaína e Beto Alencar 

Direção Musical: José Eduardo Rennó 

 Arranjos Musicais: Alexandre Moura, Roquildes Júnior, Beatriz Amado, Miró Parma, Ildo Silva, Marco França e Tiganá Macedo 

Arranjos Vocais: Roquildes Júnior e Alexandre Moura 

Preparação Vocal: Roquildes Júnior, Alexandre Moura e Dani Nega 

Dramaturgia: Paulo Rogério Lopes 

Figurinos: Maiwsi Ayana 

Cenário: Kleber Montanheiro 

Projeção: Denis Kageyama 

 Iluminação: Karen Mezza 

 Desenho e operação de som: JP Hecht e Thiago Aparecido de Moraes Alves 

 Diretor de Palco: Nilton Araújo.

O espetáculo foi contemplado pela 15° edição do Prêmio Zé Renato da Secretária Municipal de Cultura de São Paulo.

Em 14 de setembro de 2023, assisti ao espetáculo O Samba da Paulicéia e sua gente, no Centro Cultural São Paulo, popularmente conhecido como CCSP - próximo ao metrô Vergueiro (linha 1 azul). A peça é criação da CIA Coisas Nossas, é um musical, que canta e conta algumas histórias do Samba Paulistano.

Assim que adentramos a sala de espetáculos, do lado esquerdo do palco, há um foco aceso sobre uma mulher negra que, em sua máquina de costura, faz fantasias de carnaval - Madrinha, interpretada pela atriz Carlota Joaquina, e com sua memória somos convidades a lembrar, conhecer, reviver: canções, pessoas, bairros e momentos do Samba da Paulicéia que não devem ser esquecidos. Madrinha não é lá muito jovem, sua memória não segue mais cronologias, se confunde e nos confunde, seu tempo espirala. Durante todo o espetáculo fiquei me perguntando se madrinha não seria uma referência a Madrinha Eunice.

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A personagem Madrinha, interpretada pela atriz Carlota Joaquina, em O Samba da Paulicéia e sua gente . Foto de Bárbara Campos.
As moradoras e os moradores de um bairro fictício, chamado Vila Primavera, são surpreendidos com a notícia de que a comunidade será destruída em prol do tal “progresso”, o tempo todo discutem sobre o que fazer: resistir? se entregar? deixar tudo a perder? O que madrinha faria? Como aquela pode ser a última noite, naquele lugar, decidem que - de qualquer forma - irão celebrar tudo que foi vivido ali, vão ao bar mais tradicional da comunidade e dá festa, dá samba, tem cerveja por conta da casa e umas quentinhas deliciosas, nessa noite todo mundo é bamba, todo mundo bebe, todo mundo samba.

Talvez a Vila Primavera pudesse ser o centro de São Paulo que empurrou pessoas pretas e pobres para favelas e cortiços, na Zona Norte, para a construção das avenidas São João e Rio Branco. Talvez a Vila Primavera fosse a Barra Funda, lá em 1914, quando o carnaval era uma festa só para elite, e Dionísio Barbosa com seu irmão, Luiz Barbosa, e alguns amigos - pouco mais de 30 pessoas - saem pelas ruas de Camisa Verde e Calça Branca; e 39 anos depois, em 1953, origina-se o Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Camisa Verde e Branco.

Talvez a Vila Primavera pudesse ser o Bixiga agora, em que tentam construir uma linha de metrô para apagar a história do Quilombo da Saracura.

Talvez a Vila Primavera fosse a praça da Liberdade, nesse próprio bairro que tem uma história negra tão importante, mas apagam, forçam uma barra para que seja um bairro japonês. No domingo passado (16/09/2023), houve um festival de cultura geek, patrocinado pelo Metrô de São Paulo, como parte do projeto Linha da Cultura, apoiado pela subprefeitura da Sé.  Nesse evento, a escultura de bronze de Madrinha Eunice, inaugurada em abril de 2022, concebida pela artista Lidia Lisboa, foi ocultada, esmagada, desrespeitada, pois em uma praça imensa montaram o palco justamente em cima da escultura da mulher que fundou uma das mais antigas escolas de samba de São Paulo (se não a mais antiga), lá por volta de 1937:  a Sociedade Recreativa Beneficente Esportiva da Escola de Samba Lavapés Pirata Negro.
Escultura de Bronze que retrata a Sambista Madrinha Eunice, localizada no bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo-SP. Foto de Rovena Rosa (Agência Brasil).
Talvez a Vila Primavera fosse aquela Pirapora, em que o menino foi batizado no samba, ou talvez fosse o Bixiga, em uma sexta-feira de lua cheia, em que em um bar tomando uma cerveja trincando de gelada e com roda de samba em que se reconhece a voz grave e potente de Mestre Aldo Bueno.  Você lembra dele? Você lembra de Mestre Aldo Bueno?  Aliás, você já ouviu falar em Mestre Aldo Bueno? Pergunte as suas mais velhas e seus mais velhos, se lembram ou conhecem Aldo Bueno.

Na Vila Primavera, no bar, enquanto festejam, muitas vezes Madrinha é citada, como ela lutou pela comunidade, mas madrinha não está na festa, não chamaram Madrinha, será que esqueceram de Madrinha?  Acreditaram que ela não aguentaria a notícia do despejo, mas samba sem Madrinha não é samba, vão buscá-la em sua casa, ela desliga sua máquina, guarda suas fantasias, se embeleza e cai no samba, lembra da São Paulo de Tebas e encontra amigos, lembra que o samba está vivo e encontra com honra seu amigo Mestre Aldo Bueno, que no espetáculo interpreta a si mesmo, nos presenteia com lindos solos de Batuque de Pirapora e Silêncio no Bixiga.
Registro do tratamento não cuidadoso dado a escultura, que celebra o legado de Madrinha Eunice, durante o Festival geek, em16 de setembro de 2023. Arquivo pessoal do autor.
Lembrou quem é Mestre Aldo Bueno, bamba do samba, negro de pele escura, nasceu em São Paulo, em 16 de maio de 1950, e hoje vive seus 73 anos, dizem que ele é uma lenda viva do Bixiga e quem tem sorte pode encontrar ele de chapéu e sapato branco, como todo bamba, em uma boa roda de samba. Talvez você, ou alguém de sua família, se lembre de sua voz grave puxando o samba enredo Orum Aiyê - Eterno Amanhecer que consagrou a Vai-Vai como grande campeã do Carnaval de 1982.  Talvez você, ou alguém que você conheça, lembre de sua voz cantando Vissungo ou vissugo? No CD História do Samba I - cantado e narrado por Osvaldinho da Cuíca, com participação de Mestre Aldo Bueno, Thobias da Vai-Vai e Germano Mathias. 

Talvez você, ou alguém de sua família, lembre de Mestre Aldo Bueno atuando na série Carandiru outras histórias.  Ou atuando no longa metragem A Próxima Vítima, filme pelo qual foi premiado como melhor ator, no Festival de Cinema de Gramado. Talvez você, ou alguém de sua família, se lembre dele atuando em espetáculos que foram considerados clássicos do teatro brasileiro, em plena ditadura civil militar, por exemplo, Arena Conta Zumbi, Ópera do Malandro e Gota d'água.
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Elenco do Espetáculo O samba da Paulicéia e sua gente. No centro, a atriz Carlota Joaquina e o Mestre Aldo Bueno. Foto de Bárbara Campos.
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Parte do elenco de O Samba da Paulicéia e sua gente. Mestre Aldo Bueno, está de boné, no centro do grupo. Foto de Bárbara Campos.
Talvez você, ou alguém de sua família,  lembre-se de Mestre Aldo Bueno de um show ou de uma roda de samba que viu recentemente. Ou Talvez nem você, nem ninguém de sua família, ou que você conheça, se lembre ou tenha ouvido falar de Aldo Bueno, pois o racismo impacta diretamente a carreira e a visibilidade de pessoas negras, sobretudo as de peles mais escuras, de modo que carreiras de grandes artistas sejam compostas de longos hiatos e poucos recursos financeiros.

Quantas artistas negras, como, Elza Soares, Ruth de Souza e Léa Garcia, foram reconhecidas somente na velhice?

Quantos artistas negros foram reconhecidos somente após a morte? Quantes artistes nem chegaram ao reconhecimento? 

O espetáculo Samba da Pauliceia e sua gente nos convida a celebrar mestre Aldo Bueno e nos lembra da importância de celebrar os grandes mestres da cultura preta, enquanto estão vivos e produzindo arte. Além disso, convoca jovens artistas pretes a sempre lembrar e aprender com aqueles que vieram antes de nós, abriram nossos caminhos e os tornaram menos difíceis.

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