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Que movimentos
o
Movimento nº1:
O Silêncio de Depois... 
podem causar?

Jhow Carvalho

Espetáculo: Movimento nº1: O Silêncio de Depois...

Coletivo Negro

País: Brasil (São Paulo - SP)

Data: 2013

Local: Tendal da Lapa ( São Paulo- SP)

Quando Deise de Brito me convidou a escrever para a sessão Trajetos Apreciativos dos Arquivos de Okan, comecei inicialmente pensando sobre o que falar, levando em consideração que, devido à pandemia de COVID-19, os modos de fazer e de assistir a espetáculos cênicos mudaram radicalmente. 

Em novembro de 2020 (período em que esta escrita foi tecida) estávamos em um momento em que grupos tanto realizavam lives, em espaços improvisados - como suas casas - quanto iam a espaços culturais que possuem recursos de som e luz para gravação dos espetáculos. Há também algumas instituições, como o SESC, que conseguem oferecer temporariamente equipamentos de som e luz para as casas des artistes. 

Vi ótimos trabalhos executados de maneira virtual, dentre os quais destaco o monólogo Eu e Ela: Visita a Carolina Maria de Jesus, interpretado por Dona Dirce Thomaz - com certeza uma das mais importantes atrizes do Teatro Negro da cidade de São Paulo, uma força da natureza na cena e na vida. Destaco também Engasgadas, um ensaio para regurgitar o mundo, da Zona AGBARA dançado por Gal Martins e Rosângela Alves.

Mesmo diante da qualidade técnica dos espetáculos citados e das brilhantes soluções cênicas encontradas para a realização deles em modo remoto de criação, ainda não me sinto pronto para escrever sobre uma obra on line. Sinto que me falta vivência, como público dessa nova modalidade artística. Por essa razão optei em escrever a respeito de um espetáculo que apreciei diversas vezes de modo presencial.

O Movimento n°1: O Silêncio de Depois..., do Coletivo Negro, pesou em minha escolha, porque foi neste espetáculo que tive o primeiro contato com uma estética que podemos chamar de teatro negro. Sou um jovem preto, que cresceu em cidades periféricas da região Oeste da Grande São Paulo: Osasco, Jandira e Barueri. 

Em Jandira - cidade que já esteve entre as 10 com maior população negra do estado de São Paulo - foi o local onde iniciei minhas experiências artísticas em 2005, através de oficinas culturais gratuitas. Permaneci atuando na cidade até 2012, ano em que iniciei meu processo de profissionalização até me deslocar cada vez mais para a cidade de São Paulo, local onde vivo e trabalho atualmente.

Durante meus anos de prática artística em Jandira, eu nunca tinha ouvido falar sobre o Teatro Experimental do Negro (TEN), assim como não fazia ideia de que havia artistas que desenvolviam uma estética que, hoje, podemos denominar de teatro negro.

Alguns poucos anos, por iniciativa de um funcionário preto, houve celebrações no dia da Consciência Negra, sobretudo com apresentações de danças afro-brasileiras. Eu havia experenciado situações que hoje reconheço como racismo, principalmente ligadas ao meu cabelo, que é um 3c.

Então, quando assisti ao Movimento nº1: O Silêncio de Depois..., um mar de possibilidades se abriu diante de meus olhos. É importante informar que o espetáculo estreou em 2012, mas eu o assisti em 2013. Assim, nem eu, nem o Coletivo Negro, somos as mesmas pessoas de 7 anos atrás - e que bom!

Como muito tempo se passou, para reavivar a memória do espetáculo em minha mente reli o texto da peça, publicado no livro Negras Dramaturgias, realizado pelo Coletivo Negro, quando contemplado pela 25ª edição do Programa de Fomento ao Teatro para cidade de São Paulo (2015). Além disso, assisti à filmagem do espetáculo (disponível no youtube 1) e consultei uma entrevista que Thais Dias 2 me concedeu em 2015, época em que ela integrava o grupo. Hoje, apesar de não estar mais no coletivo, ela continua sendo uma aliada.

Movimento número 1 -  O Silêncio de depo

FICHA TÉCNICA

Coletivo Negro: Aysha Nascimento, Flávio Rodrigues, Jé Oliveira, Jefferson Matias, Raphael Garcia e Thaís Dias 

Direção Geral, Concepção, Preparação dos Atores, Treinamento-Físcio-Energético, Dramaturgia e Atuação: Coletivo Negro

Direção Musical e Música ao vivo: Cássio Martins e Fernando Alabê

Composições: Coletivo Negro e Fernando Alabê

Cenografia e Luz: Julio Dojcsar > casadalapa e Wagner Antônio

Concepção Espacial: Coletivo Negro e Júlio Dojcsar > casadalapa

Figurino: casadalapa > Julio Dojcsar e Silvana Marcondes

Fotos: Zeca Caldeira > casadalapa

Produção Geral: Coletivo Negro

Assistente de produção geral: Ana Flávia Rodrigues

Projeto Gráfico: casadalapa > Sato

O Coletivo Negro foi contemplado, em 2010, pelo Programa de Ação Cultural (Proac) - Criação e temporada de obras inéditas”, que viabilizou a montagem desse espetáculo.

Movimento Número 1: O Silêncio de Depois... Fotos de Leandro Jorge e Zeca Caldeira.

Atualmente o Coletivo Negro é composto por Aysha Nascimento, Flávio Rodrigues, Jé Oliveira, Jefferson Matias e Raphael Garcia, de acordo com o site oficial do grupo 3. Em seu Movimento nº1, o elenco trabalhou de forma bastante colaborativa, tanto que assina a direção-geral, produção-geral, concepção, preparação dos atores, treinamento físico-energético, dramaturgia, atuação e métricas, composição musical (em parceria com Fernando Alabê) e concepção espacial (em conjunto a Júlio Dojcsar - Casa da Lapa). A dramaturgia é assinada por Jé Oliveira e nasceu das salas de ensaios, ele e Flávio Rodrigues foram responsáveis pela direção.

Parece-me que, nesse movimento de estreia, o Coletivo Negro tinha a necessidade de radicalizar alguns aspectos do fazer teatral, que vão desde a escolha de trabalhar de modo amplamente coletivo à concepção cênica do espetáculo, que se define como “peça desterritorializada em dois atos” 4.

A “Obra é dedicada a memória e luta de Abdias do Nascimento e de todo o Teatro Experimental do Negro” 5. Em seu início o Coletivo Negro realizou um processo muito bonito, em que por 2 ou 3 anos visitaram as casas umes des outres e conheceram suas famílias. Também estudaram e experimentaram cenicamente o material da Antologia dramas para negros prólogos para brancos organizada por Abdias do Nascimento e publicada em 1961. Quando perceberam que aqueles textos não comportavam mais as indignações que nós pessoas negras temos hoje em dia, então decidiram escrever e encenar as histórias que tinham urgência em contar. Ouvi isso do elenco tanto em entrevistas, como em conversas informais.

A encenação tem uma forte inspiração no Teatro Épico, característica que  percebo que era comum aos teatros políticos contemporâneos. O espetáculo estreou no Tendal da Lapa (próximo a estação de trem da linha 8 Diamante) e, de acordo com a sinopse: “O Coletivo Negro mostra quatro personagens desterrados, que após uma desocupação violenta para a construção de uma linha férrea, encontram-se no lugar onde moravam. Por meio de narrativas, buscam, coletivamente, refletir acerca do etnocídio acontecido, bem como enterrar os seus mortos que faleceram, mas nunca chegaram a morrer” 6.

De forma sagaz o Coletivo trouxe o trem para a cena e toda vez que este passava, as cenas eram suspensas, por meio de pausas.

As personagens desterradas são a Condutora e Atriz 1, Bêbado-Homem e Ator 1, Mulher-Rainha e Atriz 2, Menino-Homem e Ator 2. Antes de entrarmos no espaço cênico, somos recebidos pela Condutora e Atriz 1, personagem que é responsável por costurar a dramaturgia e a encenação do espetáculo. Desde o início do espetáculo a relação com o público é direta, não há uma quarta parede, o público é convidado para estar no território desapropriado; as personagens nunca interagem diretamente e constantemente se relacionam com quem assiste. 

 

Além disso, cada personagem instaura uma atmosfera e traz elementos que interferem na concepção espacial que é transformada constantemente durante o trabalho através de garrafas no ambiente do bêbado-homem, serpentinas para a mulher-rainha e tijolos e pipa para o menino-homem. 

As personagens propõem quebras nas cenas uma da outra; a música é ao vivo e permanente durante o espetáculo, sobretudo no segundo ato.  Diante das pistas deixadas pelo elenco cada espectadore é responsável por costurar a narrativa final em sua mente. A obra é dialética o tempo todo, o que gera no público diversas emoções durante os 60 minutos de encenação.

Movimento Número 1 O Silêncio de Depois

Movimento Número 1: O Silêncio de Depois... Fotos de Leandro Jorge e Zeca Caldeira.

É potente por tratar de um tema tão complexo como a desapropriação de comunidades em prol de um ideal branco de progresso - de forma inesperada e com uma dose de lirismo. Em um curso que realizei recentemente com Raphael Garcia, ele se referiu ao espetáculo como um EBÓ, pois o público é convidado literalmente a enterrar os “mortos-ausentes”. 

 

Somos convidades a voltar para casa com a reflexão sobre para onde as pessoas desapropriadas foram continuar suas vidas, questão que o Coletivo Negro busca responder em sua 2ª obra {Entre}. Os movimentos do grupo continuaram e iniciaram um processo em que cada ume des artistes que o compõe coordenou um experimento cênico:  Revolver (Raphael Garcia), Farinha com Açúcar ou sobre a Sustança de Meninos e Homens (Jé Oliveira), Ida (Aysha Nascimento), F.A.L.A. (Fragmentos Autônomos sobre Liberdades Afetivas) (Flávio Rodrigues). 

 

O Coletivo Negro é mais um dos grupos de teatro autodeclarado negro, que se dedica a criar uma representação mais digna de nosso povo. Sou muito grato aos horizontes que esta peça me abriu. É comum ouvir nas falas de pessoas negras - que passaram por formações em teatro - o quanto essa experiência acadêmica é traumática, pois estudamos teatro, a partir de referências euro-branco-centradas. 

 

Grupos, como o Coletivo Negro, apresentam novos modos de fazer e pensar teatro para jovens negros como eu, assim como nos apresentam novos e antigos grupos de teatro negro. 

Hoje percebo que um dos movimentos que Movimento nº1: O Silêncio de Depois... inspirou foi a criação do espetáculo Mãe Preta que desenvolvi junto ao Combate Coletivo de Artes Pretas.

Agora começo a me perguntar o que os atuais movimentos de teatro negro, como a realização de fóruns, festivais e ampliação do surgimento de grupos de teatro, nos aguardam no futuro?

Âncora 1
Âncora 2

1 https://www.youtube.com/watch?v=Me3tyU_JKn4. Acessado em 07/11/2020 às 19:33.

2 Artista Piracicabana atuante nas artes como atriz, figurinista, produtora cultural, arte-educadora e diretora artística.  Iniciou suas atividades artísticas no Grupo Forfé, é fundadora do Coletivo Negro atuou nos espetáculos Movimento nº1: O Silêncio de Depois e {ENTRE}. Concebeu o figurino dos espetáculos Mãe Preta da Combate Coletivo de Artes Pretas.  Informações retiradas de escritas tecidas pela artista.

3 http://coletivonegro.com.br/

4 Trecho retirado da dramaturgia do espetáculo.

5 Também retirado da dramaturgia do espetáculo.

6 Disponível em: http://coletivonegro.com.br/movimento-numero-1/. Acessado em 20.nov.2020 às 17h21.

Âncora 3
Âncora 4
Âncora 5
Âncora 6
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